quinta-feira, 10 de junho de 2010



TEMPO





A mim que desde a infância venho vindo

como se o meu destino

fosse o exato destino de uma estrela

apelam incríveis coisas:

pintar as unhas, descobrir a nuca,

piscar os olhos, beber.

Tomo o nome de Deus num vão.

Descobri que a seu tempo

vão me chorar e esquecer.

Vinte anos mais vinte é o que tenho,

mulher ocidental que se fosse homem

amaria chamar-se Eliud Jonathan.

Neste exato momento do dia vinte de Julho

de mil novecentos e setenta e seis,

o céu é bruma, está frio, estou feia,

acabo de receber um beijo pelo correio.

Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.





Por Adélia Prado
Arte de Van Gogh

3 comentários:

  1. Tão lindo e tão feminino...
    Mergulha de forma doce e latente em um universo descoberto... e ainda obscuro!
    Mexe com bicho fêmea que sou... Mexe comigo!
    Adorei!... Muito bom ler por aqui!
    Aline.
    http://alinemoraisfarias.blogspot.com/

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  2. Amo este poema António, que bom encontrá-lo aqui, melhor ainda poder reler estes versos abrigada por esta noite estrelada...

    Um beijo, gracias!!!

    Carmen Silvia Presotto

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  3. Viceral e pulsante, me emocionou!
    "...o céu é bruma, está frio, estou feia,
    acabo de receber um beijo pelo correio.
    Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome."
    Avassalador!!

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