quinta-feira, 29 de julho de 2010



MÃO ÚNICA





A vida é uma via

aonde se passa sem volta.

A vida é um havia.





Por Renata de Aragão Lopes
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CRUA





Assim

que chega

ao lar,

livra-se

de anel,

brinco

e colar...



Por isso

não se tatua.

Sem o prazer

de despir-se

toda,

nunca mais

estaria nua.





Por Renata de Aragão Lopes
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quarta-feira, 28 de julho de 2010



O JARDIM DO LABIRINTO





Ser do jardim o caminho

entremeado em flores



folhas decompostas

ao solo, tardio

em geometrias: teu

o labirinto onde formigas

carregam o destino recortado

e o medo avassalado: nada

se compara ao jardim

destruído em pedras

e inços: o jardim

das maravilhas perdido

em curvas indecifráveis.






Por Pedro Du Bois
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Arte de Salvador Dali


OLHOS DE PEDRA



de esperar

arranco

das pedras, os olhos



meus olhos, arranco

e os atiro ao mar



pesados,

logo serão tragados



pelo abismo

dos olhos cansados



eu, sigo

com meus olhos

de pedra





Por Nydia Bonetti
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terça-feira, 27 de julho de 2010



MARCAS





Tosco relógio

perdendo

tempo

na marcação

das horas

passadas.





Por Pedro Du Bois
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Imagem de AAT

segunda-feira, 26 de julho de 2010



(EX)QUECIMENTO





No teu talvez,

Lembras?

Às vezes me encontravas.



No teu não,

Lembras?

Eu me despedaçava.



E assim,

Sem menos nem mais,

Nem teu nome

Lembro mais.





Por Mirze Souza
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CÉU DE SONHAR





a tarde seca

um céu de cerejeiras

primeira estrela



até as pedras sonham

com as asas que não têm





Por Nydia Bonetti
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Fotografia de National Geographic

domingo, 25 de julho de 2010



UM PÉ VAI LÁ E OUTRO CÁ





é preciso calcular

listar metodicamente

os erros e os fracassos

que não podem se repetir

é preciso anotar

carimbar

colar na parede do quarto

pensar

raciocinar

pensa

nele

que vem descendo a esquina

que te afaga

tato forte

voz grave

fala pausada

que te ama e te devora

que te invade

atropela

suspira, geme alto

apenas pra acordar

e se descobrir onde razão encontra insanidade





Por Pedro Paulo
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XXX





Queima-te a memória da noite anterior

à fala, queima-te o sal

da boca que primeiro te mordeu

antes de te beijar.



Não tens espaço para morrer

com a manhã, não tens senão um buraco

onde esconder as lágrimas,

um ramo seco para enxotar as moscas.



O ofício da alma é desaprender.

Os animais são a maravilha,

sem memória de terem sido irmãos

da estrela matutina.



Talvez já apagada ou em ruína.





Por Eugénio de Andrade
Trabalho fotográfico sobre foto de Maonda

quinta-feira, 22 de julho de 2010



YOU MUST REMEMBER THIS





saindo de mim por meus poros

no palco minha alma tão leve

aura clara de mansinho canta

nas vezes em que sozinho choro

abre alas brisa vento alegre vem

e me traz essas canções

detalhes fotos emoções

parece dezembro ao teu lado me vejo

caminhando cantando e seguindo

iluminados olhos cheios de cores

anos dourados de volta ao jardim

já que falei de flores às rosas me queixo

tristeza melancolia que não sai de mim

paisagem da janela lateral eu vejo

Corcovado Redentor que lindo

e os braços quem abre eu mesmo

sentimental eu sou o Rio continua

de sol um gosto na boca da noite festa

e um barquinho desliza sem parar

a tarde a resistir vontade de cantar

em cores se desfaz do Brasil aquarela resta

uma canção há sempre nos discos aprendi

e eu te proponho baby você precisa ouvir

estranho tempo não pára e nunca envelhece sei

das esquinas por que passei curvas

estrada perigo ronda esquinas

Ipiranga São João Sampa meninas

estranhas catedrais deserto

que atravessei de neve encoberto

amigo estudante coração tropical

monumento país planalto central

tanta gente espelho de estrelas partiu

nossa música no ar nunca mais se ouviu

aquele abraço e bye bye Brasil

dança bamba a corda a esperança

do show faz parte e continua

outra vez quem sabe o Rio então

o que será que será só imaginação

piano samba Mangueira canção

luz do sol alegria alegria verão

nada será como antes ou está

mas certas canções são eternas

e o amor novamente eterno será


Por Marcio Nicolau
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Música de H. Hupfeld, interpretação de Gal Costa

segunda-feira, 19 de julho de 2010



PODEROSA





eu posso me perder em um segundo

um vacilo

um silêncio curto

um atraso de telefonema

e não reconhecer mais nada

e nem saber como voltar

e perder a memória de como tinha me levantado

eu posso coisas que nem sei

eu posso viver um século como um farrapo roto dechirrado trapo de

gente sem tino sem brio sem senso nesta tarde de espera vã

- eu adoro esta palavra vã –

e achar que me perdi de novo

e nunca mais querer nascer – eu nunca mais vou nascer

eu posso me desfazer

eu posso nunca mais encontrar o caminho de volta

eu posso me maquiar e ninguém suspeitar que passo horas na frente

do espelho me camuflando de mim

eu posso nunca pedir ajuda nem confessar meus trincados a quem

mais amo

e nada pode me salvar disso que sou





Por Eugênia Fraietta
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domingo, 18 de julho de 2010



RETRATO DE UMA NOVA IORQUINA Nº 10


(Tod Papageorge. Quinta Avenida. 1970)





São quatro as mulheres



no desencontro dos olhares é esmagante

o embate em si mesmas



parecem escutar as areias secas de um deserto



lá atrás afastada

distinguindo-se pela distância a quarta

mulher encontra o seu rio



um homem



e despeja com um beijo

toda a água que guardou.





Por António Amaral Tavares
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quarta-feira, 14 de julho de 2010



PARTO DE GENTE





Sem remédio. Quero-me acordada para sentir a chuva que já vai passar. Ouvir-nos em todas as vozes que moram estações: primaveras, outonos, invernos…

Da angústia, a melhor canção!

Sem remédio, doutor! Quero receber o filho, quando um eu nascer em adoção.





Por Adriana Bandeira
Música de Lindsey Buckingham feat. Stevie Nicks


EU FALO





do rio

meninos

deuses

gregos

Apolos

Zeus

seminus

semideuses

Orfeus

Homeros

homens

meros

personagens

Prometeus

Édipos

reis

imperadores

Neros

Adrianos

Cristianos

Ronaldos

beques

Beckhans

brasileiros

europeus

latinos

amantes

Antônios

Banderas

heróis

he-mans

Hércules

Narcisos

Romeus

Zulus

vikings

bárbaros

Titãs

roqueiros

Elvis

pélvis

calcanhares

Aquiles

aqueles

Gianecchinis

e eu





Por Marcio Nicolau
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segunda-feira, 12 de julho de 2010



RAVEL





Todo telefone é terrível – negro

guerrilheiro, à escuta na sala

disfarçado ao lado do sofá

à espera, no gancho

sempre na véspera

como o grampo da granada

já nos dentes.

A única saída é ocupá-lo

para que não estoure

(não posso te agarrar daqui

nem pelos fios dos cabelos

pare antes que toque

e o infinito acabe).

Todo terrível é telefone – negro

à escuta

guerrilheiro à espera

ao lado do sofá

disfarçado na sala

na véspera da granada

com o grampo nos dentes fora do gancho

ocupando a única saída

para que não estoure

(não posso nem pelos cabelos

antes que acabe e toque

o infinito, te agarrar, nos fios, pare

daí).





Por Armando Freitas Filho

domingo, 11 de julho de 2010



RETRATO DE UMA NOVA IORQUINA Nº 9


(Garry Winogrand. Lily St. Cyr. 1954)





Há um lado oculto

nos retratos de perfil



este olhar fecha-se sobre o ruído

a boca cheia de palavras



as sobrancelhas desenham

uma perfeição arrombada



e a testa alta curvada para trás

graciosa

lembra muros de vidro anteriores à cidade

declives para que a luz corresse



mais rápido que a sombra.





Por António Amaral Tavares
(Ler mais poemas desta série em http://vidraguas.com.br/wordpress/)

sábado, 10 de julho de 2010



ENIGMA






A poesia não dorme

enquanto o verbo não sacia

a fome louca de gritar



a poesia é grito

feito em surdina



clausura

nascida das mãos



Sinônimo

do silêncio

entrecortado em raízes



lenitivo,

espera, soluço:

é tudo que não se define






Por Luiz Otávio Oliani

quarta-feira, 7 de julho de 2010



O FIM E O INÍCIO





Depois de toda guerra

alguém precisa fazer a limpeza.

Já que uma ordem como essa

não vai se fazer sozinha.



Alguém precisa tirar

o entulho das ruas

para que as carroças possam passar

com os corpos.



Alguém precisa atolar-se

na lama e nas cinzas,

nas molas dos sofás,

nos cacos de vidro,

nos trapos ensangüentados.



Alguém precisa arrastar o poste

para levantar a parede,

alguém precisa envidraçar a janela,

pôr as portas no lugar.



Fotogênico isso não é,

e leva anos.

Todas as câmeras já saíram

para outra guerra.



Precisamos das pontes

e das estações de trem de volta.

Mangas de camisas ficarão gastas

de tanto serem arregaçadas.



Alguém de vassoura na mão

ainda lembra como foi.

Alguém escuta e concorda

assentindo com a cabeça ilesa.

Mas haverá outros por perto

que acharão tudo isso

um pouco chato.



De vez em quando alguém ainda

tem que desenterrar evidências enferrujadas

debaixo de um arbusto

e arrastá-las até o lixo.



Aqueles que sabiam

o que foi tudo isso,

têm que ceder lugar àqueles

que sabem pouco.

E menos que pouco.

E finalmente aos que não sabem nada.



Na grama, que cobriu

as causas e as conseqüências,

alguém precisa deitar

com um matinho entre os dentes

e o olhar perdido nas nuvens.





Por Wislawa Szymborska
Tradução de Tiago Halewicz
Atenção a este intercâmbio cultural entre Lisboa e Porto Alegre a realizar no dia 12 de Julho.
Ímperdível, ou não estaríamos nós sempre com a velha queixa de que estas pontes não acontecem. (clique na imagem para a ver maior).






terça-feira, 6 de julho de 2010


HISTÓRIA





Desenterrar os mortos

e chupar seus ossos,

sugar seu mosto

de terra e sangue seco,

seu gosto secreto

de anos infindáveis,

seus arcos,

costelas,

arquitetura.

(…)

Se infeccionar com os mortos,

Triturar seus artelhos

De esponja ressequida,

Pintar de Negro e noite

Os dentes e a saliva

E abandonar o sonho

Viva,

Muito viva.





Por Micheliny Verunschk
Música e interpretação de Tim Buckley

segunda-feira, 5 de julho de 2010



FOTOGRAFIA DE 11 DE SETEMBRO





Atiraram-se dos andares em chamas.

Um, dois, ainda alguns,

mais acima, mais abaixo.



A fotografia deteve-os na vida

e agora preserva-os

sobre a terra rumo à terra.



Cada um ainda na íntegra,

com rosto individual

e sangue bem guardado.



Ainda há tempo

para os cabelos esvoaçarem

e do bolso caírem

chaves e alguns trocos.



Ainda estão ao alcance do ar,

no âmbito dos lugares

que acabaram de se abrir.



Só duas coisas posso por eles fazer:

descrever este voo

e não acrescentar a última frase.





Por Wislawa Szymborska
Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves


UM POEMA REAL





Esmaguei um mosquito inchado

com o meu sangue – a sua vida jorrou

de tal forma que senti pena, porque

afinal de contas, Arjuna, nunca, nunca



nunca poderia eu criar algo

mais real do que esta

marca sangrenta, este

poema, este cadáver

sugador de sangue.





Por Aidas Marcenas
Tradução de Lp, do trapézio, sem rede


AUSÊNCIA





Quando minha voz

se fizer

ausência, entenda o silêncio

como prova da verdade.



Arrume as palavras deixadas

entre folhas, faça frases

e desordene parágrafos.



Minha voz ausente

estará adiante

do esforço. Concentre sua hora

na descoberta dos traços.



Risque as letras e deixe em branco

a parte inferior do silêncio.





Por Pedro Du Bois
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domingo, 4 de julho de 2010





RETRATO DE UMA NOVA IORQUINA Nº 8


( Walker Evans. Retrato no metropolitano. 1938-41)





Na ausência pelo hábito

igual nos gestos de todos

os dias trouxe consigo a melhor roupa



a expressão é levantada

mas o olhar traduz em tristeza a passagem de uma nuvem



é um retrato do silêncio



na sua nobreza o espírito

que procura reconhece os lugares

onde deus se alimenta.





Por António Amaral Tavares
(Ler mais poemas desta série em http://vidraguas.com.br/wordpress/)

sexta-feira, 2 de julho de 2010



VIBRAÇÕES





Curvo o espaço

para nas cordas do tempo

te alcançar



vias

véus

veias

fado

que no amor me tens...





Por Carmen Silvia Presotto
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Fotografia de Patrick Demarchelier