domingo, 9 de setembro de 2012








FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD





Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud!
Teus dezoito anos refractários à amizade,
à malevolência, à tontice dos poetas de Paris,
tal como ao zumbido de abelha estéril da tua família
ardenense meio louca, fizeste bem espalhá-los aos ventos
do largo, metê-los sob o fio da sua precoce guilhotina.
Tiveste razão em trocar a avenida dos preguiçosos,
os estaminés dos mija-tostões, pelo inferno das bestas,
o comércio dos manhosos, o bom-dia dos simples.
O absurdo élan do corpo e alma,
a bala de canhão que atinge o alvo e o rebenta,
é isso, nem mais, a vida dum homem!
Não se pode, ao sair da infância,
estrangular o próximo eternamente.
Os vulcões deslocam-se pouco,
mas a lava percorre o grande vazio do mundo,
outorgando-lhe virtudes que cantam nas suas chagas.
Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud. Alguns por cá
teimamos em crer, sem provas, a felicidade possível
contigo.






Por René Char

Tradução de Albino M.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012







REMO DE ÁGUA
  
(Valada do Ribatejo)




Voltará o verão à terra larga
e a carne à noite branca do começo
mas tu não voltarás e não passaste
e aconteces para sempre sempre que aconteces

Atravessas um remo de água submerso
na água que inunda ao alto o meu olhar
E é então que o tempo passa e ao passar se esquece
de me levar consigo ou te deixar ficar




Por Miguel Serras Pereira
Arte de Salvador Dalí









VIAGEM A LISBOA





Fugindo em vão da cidade fechada,
acabámos perdidos na cidade perfeita.
O andar luminoso, o solo branco,
os quartos despojados e na penumbra,
os poucos mas doutos livros conseguidos,
acolheram serenos o cansaço.
Depois vieram dias de passeio e de calma
com tudo a passar tão lento como é costume
num lugar a compasso dum rio.
Carros eléctricos e avenidas, barcos e estabelecimentos
foram tratando do resto.
E já não éramos os mesmos
postos a pensar na ponte como
um suicida qualquer.
Ou os que vêem do porto naufrágios parecidos.
Nem os que entre nobres ruínas
se entregam ao discurso do fracasso e da morte.
Decrépito, no meio da porcaria, por baixo da ferrugem,
o que vimos foi o fogo de uma outra vida.
Ainda nos queima quando olhamos para trás
e evocamos as tardes sossegadas de Junho
em casa de Àngel, e aquele sol do poente
a afundar-se no Tejo, muito vermelho.
Voltamos amiúde ao lugar onde fomos,
se não felizes, pelo menos afortunados.
Um olhar viaja com a melancolia
e devolve-nos aquilo que temos por perdido.





Por Álvaro Valverde
Tradução de Albino M.
Arte de Maluda