terça-feira, 20 de novembro de 2012








OS ESTRANGEIROS





podem não acreditar
mas há pessoas
que passam pela vida  quase
sem
conflitos ou
sofrimento.
vestem bem, comem
bem, dormem bem.
estão satisfeitos com
a  sua vida
familiar.
têm momentos de
tristeza
mas considerando tudo
não há perturbações
e muitas vezes sentem-se
muito bem.
e quando morrem
é uma morte
santa, enquanto dormem
em geral.

podem não acreditar
nisto
mas há pessoas
assim.

mas eu  não  sou uma
delas.
oh não, não sou uma
delas.
nem sequer estou
perto
de ser  uma
delas

mas elas estão
aqui

e eu
também.





Por Charles Bukowski
Tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho
fotografia de Annika Ruohonen

sábado, 17 de novembro de 2012










FALSO RETRATO DE ANDY WARHOL




não penso
transcrevo conversas telefónicas ou falo
com a noite de new york
ou não falo e gravo a voz dos outros filmo
obsessivamente a morte
ou não filmo e multiplico cadeiras eléctricas
excito-me
sou o centro do mundo dos outros e
não existo
ou é a vida que me atravessa o sexo
e finjo a morte ou cintilo
como o diamante









Por Al Berto
Arte Auto-retrato de Andy Warhol

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012








UM BOM POEMA




um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto



Por Paulo Leminski

terça-feira, 6 de novembro de 2012








A SAGA




O doutor disse:
viver é negócio muito perigoso,
a gente morre para provar que viveu.

Ela respirou com os pés no meio-fio
e as mãos contra o sol
cega de ruas e muros.
Era humana
sólida e precária.

Ele, incorpóreo e eterno,
regurgitou o temor dizendo:
perigoso é não viveres
antes que a morte
te deixe encantada.

Ele, o tempo.



Por Anna Ehre

sábado, 3 de novembro de 2012








XI




Nunca nenhuma palavra
nenhum discurso
- nem Freud, nem Martí -
serviu para deter a mão
a máquina
do torturador.
Mas quando uma palavra escrita
na margem na página na parede
serve de alívio à dor de um torturado,
a literatura faz sentido.





Por Cristina Peri Rossi
Tradução de Luís Filipe Parrado, Do Trapézio Sem Rede

quinta-feira, 1 de novembro de 2012










VERGONHA




O número de filhos da puta
aumenta cada dia, mas pior
é o número ainda maior dos tontos.
Eu conto-me entre os segundos,
às vezes o meu pai pergunta-me
se vou fazer alguma coisa a respeito disso;
não costumo, porém, responder-lhe,
limito-me a olhar a tv
sentada em frente da sua cara.
Deveria dizer-lhe que tem razão,
que as pessoas me dirigem o olhar
como se a uma espécie rara de animal,
como se se sentissem confortáveis
no papel do delator.
Gostaria de fazer alguma coisa para mudar,
ser mais inteligente, fumar com elegância...
esse tipo de coisas que te tornam respeitável.
Mas, no fundo, nunca seria suficiente,
os pratos continuam a cair-me das mãos.





Por Cristina Morano
Tradução de Lp, do trapézio sem rede
Arte por Duy Huynh