sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O MAPA




Sempre senti a matemática como uma presença
física, em relação a ela vejo-me
como alguém que não consegue
esquecer o pulso porque vestiu uma camisa demasiado
apertada nas mangas.
Perdoem-me a imagem: como
num bar de putas onde se vai beber uma cerveja
e provocar com a nossa indiferença o desejo
interesseiro das mulheres, a matemática é isto: um
mundo onde entro para me sentir excluído;
Para perceber, no fundo, que a linguagem, em relação
aos números e aos seus cálculos, é um sistema,
ao mesmo tempo, milionário e pedinte. Escrever
não é mais inteligente que resolver uma equação;
Porque optei por escrever? Não sei. Ou talvez saiba:
entre a possibilidade de acertar muito, existente
na matemática, e a possibilidade de errar muito,
que existe na escrita (errar de errância, de caminhar
mais ou menos sem meta) optei instintivamente
pela segunda. Escrevo porque perdi o mapa.





Por Gonçalo M. Tavares

Arte de Thomas Parker williams

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014









O VASO




Vi como retiraste do vaso a terra,
e da terra as raízes da planta desconhecida.
Depois, com a tesoura de ferro,
cortaste o caule no ponto
certo. Em seguida, renovaste
a terra no vaso.
enterraste nela de novo a planta
que ressurgiu, surdamente,
na manhã de primavera
que sempre finda.
Agora, desvia um pouco o olhar,
repara em mim agora: vês as raízes,
o caule dobrado, a flor, o nome?
Por que não me cortas os braços, as mãos,
os pés, o tronco, e espalhas tudo
aos bocados pela terra?
Só preciso de um pouco de água:
em todos os lugares crescerei para ti.





Por Luís Filipe Parrado

Arte de Matisse

domingo, 2 de fevereiro de 2014









MEU AMIGO




Depois de tudo, no vazio
da manhã inabitável,

ajuda-me a negar
este remorso:

eu só queria uma canção
que não morresse

e a hipótese de um poema
que não fosse

o lugar onde me encontro
uma vez mais,

sem desculpa, sem remédio,
diante de mim mesmo.





Por Rui Pires Cabral