domingo, 27 de janeiro de 2013








TODAS AS PALAVRAS





As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.




Por Manuel António Pina

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013








 [Pela terceira vez...]




Pela terceira vez
saio à tua procura.

Procuro-te
nos sítios onde te encontrei até ontem:
nos bares do costume, nos terraços, dando um passeio de bicicleta.

Hoje é dia de festa,
chove pela primeira vez no verão.

Não encontro abrigo para a minha solidão.
Queria encontrar-te debaixo de todos os guarda-chuvas.
Queria abraçar-te debaixo das arcadas.

Tenho vertigens só de pensar que
estás em algum sítio onde não estou.







Por Jon Benito
Tradução de Lp, do trapézio sem rede

sábado, 5 de janeiro de 2013










VERMEER




Enquanto aquela mulher do Rijksmuseum,
em quietude pintada e concentração,
dia após dia, não verter o leite
do jarro para a vasilha,
o Mundo não merece
o fim do mundo.





Por Wisława Szymborska

Tradução de Teresa Swiatkiewicz
Arte de Vermeer







ENCONTRO





Ele não apareceu.
Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo de
um eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez se tenha esquecido do relógio,
ou o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez o carro não pegasse,
ou tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral
ou que a mãe dele tinha morrido.
Talvez tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez tenha tido uma discussão no emprego,
tenha sido despedido e esteja a esconder
a cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez a ponte estivesse fechada e
a seguinte também.
Talvez o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez o multibanco tenha engolido o cartão
ou a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do porta-moedas.
Talvez tenha perdido os óculos,
não conseguisse deixar de ler,
houvesse um programa que ele queria acabar de ver,
não conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez não houvesse um telefone por perto,
não encontrasse o restaurante
ou esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez – a última possibilidade,
incompreensível e inesperada –
ele tenha deixado de me amar.





Por Hagar Peeters
Tradução de Maria Leonor Raven-Gomes
imagem de AAT

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013










CHAPEUZINHO VERMELHO





O lobo é o cheiro
(da noite)
O lobo é o passo
(do gato)
O lobo são os olhos
(do touro)
É a lua,
O uivo da faca.

O lobo é a dor
(do relógio)
O lobo é o caminho
(mais curto)
O lobo é a cesta de doces
O lobo é o talho
É o susto.

O lobo é o pelo
(do lobo)
O lobo é a pele
(macia)
O lobo é a língua
(pingando)
É o baile e a máscara:

O lobo é menina.




Por Micheliny Verunschk