quarta-feira, 7 de julho de 2010



O FIM E O INÍCIO





Depois de toda guerra

alguém precisa fazer a limpeza.

Já que uma ordem como essa

não vai se fazer sozinha.



Alguém precisa tirar

o entulho das ruas

para que as carroças possam passar

com os corpos.



Alguém precisa atolar-se

na lama e nas cinzas,

nas molas dos sofás,

nos cacos de vidro,

nos trapos ensangüentados.



Alguém precisa arrastar o poste

para levantar a parede,

alguém precisa envidraçar a janela,

pôr as portas no lugar.



Fotogênico isso não é,

e leva anos.

Todas as câmeras já saíram

para outra guerra.



Precisamos das pontes

e das estações de trem de volta.

Mangas de camisas ficarão gastas

de tanto serem arregaçadas.



Alguém de vassoura na mão

ainda lembra como foi.

Alguém escuta e concorda

assentindo com a cabeça ilesa.

Mas haverá outros por perto

que acharão tudo isso

um pouco chato.



De vez em quando alguém ainda

tem que desenterrar evidências enferrujadas

debaixo de um arbusto

e arrastá-las até o lixo.



Aqueles que sabiam

o que foi tudo isso,

têm que ceder lugar àqueles

que sabem pouco.

E menos que pouco.

E finalmente aos que não sabem nada.



Na grama, que cobriu

as causas e as conseqüências,

alguém precisa deitar

com um matinho entre os dentes

e o olhar perdido nas nuvens.





Por Wislawa Szymborska
Tradução de Tiago Halewicz

1 comentário:

  1. António, que bom ter este poema aqui, reler, tresler, quadriler, Wislawa Szimborka sempre nos levará a mais e melhor Poesia!!!

    Um beijo e obrigada.

    Carmen Silvia Presotto
    www.vidraguas.com.br

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