Quando eu era criança os velhos escolhiam
dias amarelos para morrer. Trazia
os pés descalços sobre muitos caminhos
como se não ouvisse a minha mãe
a chamar-me para dentro.
O céu pesava avermelhadamente sobre
a minha cabeça como o linho sobre os mortos.
Depois houve muitos invernos.
Intempéries de silêncio debaixo das arcadas
anunciaram o fim do mundo.
As paredes de casa eram permeáveis à luz.
A minha mãe tinha a densidade interior
de uma mesa e braços extensíveis:
archotes para fora ou bosques de bétulas.
A minha mãe pousava na superfície
do outono como um anjo ferido.
Quando eu era criança a tijoleira da cozinha
representava constelações e eu esperava
pacientemente o dia da ira do Senhor.
Quando eu era criança anoitecia
sobre a verdade intrínseca de haver ruas
pequenas e horizontes pequenos no fundo
das ruas. Os velhos sentavam-se na soleira
das portas nas noites de verão e as raparigas
sangravam demoradamente o calor
para dentro dos pulmões e cresciam-lhes
os seios, e fechavam-se em casa. Quando eu
era criança a minha mãe pousava na superfície
do outono como um anjo ferido.
Por José Rui Teixeira
dias amarelos para morrer. Trazia
os pés descalços sobre muitos caminhos
como se não ouvisse a minha mãe
a chamar-me para dentro.
O céu pesava avermelhadamente sobre
a minha cabeça como o linho sobre os mortos.
Depois houve muitos invernos.
Intempéries de silêncio debaixo das arcadas
anunciaram o fim do mundo.
As paredes de casa eram permeáveis à luz.
A minha mãe tinha a densidade interior
de uma mesa e braços extensíveis:
archotes para fora ou bosques de bétulas.
A minha mãe pousava na superfície
do outono como um anjo ferido.
Quando eu era criança a tijoleira da cozinha
representava constelações e eu esperava
pacientemente o dia da ira do Senhor.
Quando eu era criança anoitecia
sobre a verdade intrínseca de haver ruas
pequenas e horizontes pequenos no fundo
das ruas. Os velhos sentavam-se na soleira
das portas nas noites de verão e as raparigas
sangravam demoradamente o calor
para dentro dos pulmões e cresciam-lhes
os seios, e fechavam-se em casa. Quando eu
era criança a minha mãe pousava na superfície
do outono como um anjo ferido.
Por José Rui Teixeira
Fotografia de Karena Goldfinch
Quando estou criança "minha mãe pousa na superfície do outono como um anjo ferido."
ResponderEliminarUm beijo amigo, bom final de semana e há poemas que nos presentificam muito, este, para mim, é um deles.
Gracias.