domingo, 10 de outubro de 2010



AS MOSCAS






Vós, familiares,

inevitáveis gulosas,

vós, moscas vulgares,

lembrais-me todas as coisas.

Oh, velhas moscas vorazes

como abelhas em Abril,

velhas moscas pertinazes

sobre a minha calva infantil!

Moscas do primeiro fastio

na sala familiar,

as claras tardes de estio

em que comecei a sonhar!

E na aborrecida escola,

ágeis moscas divertidas,

perseguidas

por amor de tudo que voa,

- que tudo é voar – sonoras

embatendo nas vidraças

nas tardes de Outono, lassas…

Moscas de todas as horas,

da infância e adolescência,

da minha juventude dourada;

de esta segunda inocência,

que dá o não crer em nada,

de sempre… Moscas vulgares,

que de tão familiares

não tereis digno cantor:

eu sei que tereis poisado

sobre o brinquedo encantado,

sobre o livro fechado,

sobre a carta de amor,

sobre os olhos absortos

dos mortos.

Inevitáveis gulosas,

que não labutais como abelhas,

nem brilhais como borboletas;

pequeninas, facetas,

vós, amigas velhas,

lembrais-me todas as coisas.






Por Antonio Machado
Tradução de José Lima

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