sábado, 30 de janeiro de 2010



UMA NOITE EM HONG KONG
OU
O SEXTO POEMA DO PORTUGUÊS ERRANTE





Há nas baías das grandes cidades uma ausência aflita

brilha nas luzes dos arranha-céus reflectida nas águas tristes

e todos os navios têm o teu rosto cosmopolita

o teu rosto imprevisto chegado do país onde existes e não existes.



Em Hong Kong S. Francisco Amesterdão Nova Iorque

há uma espécie de nostalgia uma viragem uma aragem

melancolia é o teu nome talvez porque

estás sempre para chegar e como sempre de passagem.



Tão de passagem que ninguém pode encontrar-te

senão por um acaso ao virar de uma esquina um olhar nem sequer

tu és a alma das metrópoles estás em nenhures e toda a parte

e todas as cidades têm o teu rosto de mulher.



E há em todos os centros uma branca aflição

um roçagar de mármore que me toca

um pavor do silêncio ó beijo da solidão

esta noite tem o sabor da tua boca.



É então que te sofro: tu és a parte de mim que se me escapa

vais nos navios cintilas nos arranha-céus

o teu país não cabe em nenhum mapa

tu és do mundo e estás em mim como um adeus.



As luzes brilham na baía e sinto a grande urgência

nos terraços da noite onde o acaso se esconde.

Eu sou eu mesmo a tua ausência

e o teu lugar é onde não há onde.



Nos corredores do vento onde perpassa o grande impulso

nos ângulos de gelo que pairam sobre a insónia

o coração das metrópoles bate no meu pulso

e todos os exílios começam em Babilónia.



Chegam os grandes frios e as lâminas do olvido

e todos os espelhos estão vazios

no livro do silêncio há um deus desconhecido

e eu pergunto por ti sentado sobre os rios.





Por Manuel Alegre

Fotografia de Robert Parkeharrison

1 comentário:

  1. É! Percorrer as cidades com olhares debruçados em palavras, geram grande Poemas!!!

    Um beijo António, gracias!!!

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