domingo, 1 de janeiro de 2012













Era o matraquear de saltos agudos contra o mármore da escadaria. Insolente, contra a ternura dos pianíssimos que se escapavam pela soleira do apartamento do primeiro direito posterior. E eu sei, porque me aproximei como um ladrão e senti os frémitos na ponta dos dedos. Ali, a música nascia, ali o útero.
Ou então a música soou dentro, pelas mãos fantasmas de um ser gentil que te seguraria a alma em momentos. Alma é uma palavra tão gasta, mas continua a sair-me dos dedos como um sonho cansado. São patranhas ridículas ou nasceste mesmo para desejar cinco quartos de lua e não menos?
Descalçou os sapatos de saltos agudos e despiu os pés em passos etéreos. E subiu-se à ponta dos dedos, justamente como fazia nas aulas de dança, e ficou mais perto, de uma altura de deuses.
Se viesses, eu venderia a lua a um estranho e um dia, chegaria muito perto e dir-te-ia ao ouvido que há uma menina que vive fugindo, porque roubou aos deuses um toque de midas. E quando morrer, ninguém saberá que caminhava no mundo com uma estrela de cinco pontas escondida nos cabelos. Mas tu haverias de saber.





Por Elisabete Albuquerque
Imagem de AAT

2 comentários:

  1. António,

    Não creio que o conheça,descobri o seu blogue por acaso, quando recebi um mail da Oficina de Poesia e reparei neste endereço :)
    É um verdadeiro privilégio ler-me neste espaço. Muito obrigada.

    Elisabete Albuquerque

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  2. Eu também fiz a Oficina de Poesia. E a tua cara nâo me é estranha,pelo menos na expressão. É provável que me conheças daí. Fiz a OP em 2011. E se és quem eu penso, fizeste muito mal em desistir.
    António

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