domingo, 4 de dezembro de 2011
















ENTRE A BRISA E O REDEMUNHO





Ninguém nunca soube sua idade, mas quando os primeiros habitantes chegaram aqui, aqui ela já estava.
Fugia do asilo sempre, sempre.
Vizinha da gente, ela entrava de assalto em nossa casa – achasse a porta destrancada.
Ninava, perene, uma boneca de pano. Especula-se que era um simulacro de sua filhinha falecida de infância.
Sua roupa de chita multiflorida lhe dava um aspecto de personagem de presépio maluco, de folia de reis extraviada do ofício.
A gente comentava que, invés de alma, ela tinha ventania: às vezes, uma ciranda alegre; outras, um circo demoníaco.
Balbuciava-nos declarações de amor incondicional. E como ríamos porque não entendíamos seu idioma de alarido, machucada profunda, grunhia-nos impropérios ininteligíveis. Depois, se ria, banguelamente.
Certas ocasiões, batia à porta, mesmo encontrando-a aberta. Trazia no cenho uma doçura aureolar de quem visita uma viúva recente. Acomodava sua cabecinha no peito da gente e nos supra-olhava sorrindo, afetuosíssima. E, então, chorava, mansinha. Um chorinho garoado, quase relento. Talvez, por seu interno deserto vasto, seus rios intransponíveis.
Após ir-se embora, ou ser reconduzida ao asilo, borboletas multicores saiam de debaixo dos móveis, como se tivessem se gestando lá há séculos. E objetos perdidos, procurados pela casa há semanas, eram imediatamente encontrados nos lugares mais óbvios.






Por Wilson Torres Nanini

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