ENTRE
A BRISA E O REDEMUNHO
Ninguém
nunca soube sua idade, mas quando os primeiros habitantes chegaram aqui, aqui
ela já estava.
Fugia
do asilo sempre, sempre.
Vizinha
da gente, ela entrava de assalto em nossa casa – achasse a porta destrancada.
Ninava,
perene, uma boneca de pano. Especula-se que era um simulacro de sua filhinha
falecida de infância.
Sua
roupa de chita multiflorida lhe dava um aspecto de personagem de presépio
maluco, de folia de reis extraviada do ofício.
A
gente comentava que, invés de alma, ela tinha ventania: às vezes, uma ciranda
alegre; outras, um circo demoníaco.
Balbuciava-nos
declarações de amor incondicional. E como ríamos porque não entendíamos seu
idioma de alarido, machucada profunda, grunhia-nos impropérios ininteligíveis.
Depois, se ria, banguelamente.
Certas
ocasiões, batia à porta, mesmo encontrando-a aberta. Trazia no cenho uma doçura
aureolar de quem visita uma viúva recente. Acomodava sua cabecinha no peito da
gente e nos supra-olhava sorrindo, afetuosíssima. E, então, chorava, mansinha.
Um chorinho garoado, quase relento. Talvez, por seu interno deserto vasto, seus
rios intransponíveis.
Após
ir-se embora, ou ser reconduzida ao asilo, borboletas multicores saiam de
debaixo dos móveis, como se tivessem se gestando lá há séculos. E objetos
perdidos, procurados pela casa há semanas, eram imediatamente encontrados nos
lugares mais óbvios.
Por
Wilson Torres Nanini
Mais
poesia sua em http://wilsonnanini.blogspot.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário
fale à vontade