terça-feira, 21 de dezembro de 2010



METADE






Que a força do medo que eu tenho,

não me impeça de ver o que anseio.



Que a morte de tudo o que acredito

não me tape os ouvidos e a boca.



Porque metade de mim é o que eu grito,

mas a outra metade é silêncio...



Que a música que eu ouço ao longe,

seja linda, ainda que triste...



Que a mulher que eu amo

seja para sempre amada

mesmo que distante.



Porque a metade de mim é partida,

mas a outra metade é saudade.



Que as palavras que eu falo

não sejam ouvidas como prece

e nem repetidas com fervor,

apenas respeitadas,

como a única coisa que resta

a um homem inundado de sentimentos.



Porque metade de mim é o que ouço,

mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora

se transforme na calma e na paz

que eu mereço.



E que essa tensão

que me corrói por dentro

seja um dia recompensada.



Porque metade de mim

é a lembrança do que fui,

a outra metade eu não sei.



mais do que uma simples alegria

para me fazer aquietar o espírito.



E que o teu silêncio

me fale cada vez mais.



Porque metade de mim

é abrigo, mas a outra metade é cansaço.



Que a arte nos aponte uma resposta,

mesmo que ela não saiba.



E que ninguém a tente complicar

porque é preciso simplicidade

para fazê-la florescer.



Porque metade de mim é platéia

e a outra metade é canção.



E que a minha loucura seja perdoada.



Porque metade de mim é amor,

e a outra...

também.






Por Ferreira Gullar

4 comentários:

  1. Esse poema nos revela por inteiro, genial!!! Entrar aqui, é mergulhar em poesia por inteiro e a imagem não esconde a que veio.

    Um beijo grande, um abraço de encurtar distâncias.

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  2. António o poema é lindo, lindo por demais... coloquei no Vidráguas e um amigo corrigiu a autoria, Metade é uma canção de Osvaldo Montenegro,quase o "reinventar-de de Gullar", não é mesmo?

    Mas sei que gostarás de saber.

    Beijos e seguimos.

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  3. eu já tinha visto esse nome como o autor do poema, mas pensava que era apenas uma adaptação do músico para a interpretar a seu modo.
    Abraços.

    antónio

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  4. António Querido, entro para te desejar um Natal Feliz, repleto de atos poéticos e que em 2011 sigamos cruzando versos, amizade e esperança.

    Carinho sempre.

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