quinta-feira, 25 de novembro de 2010



ZULMIRA, AO AMANHECER






No urinol público lia-se UTILIZAÇÃO GRATUITA.

Fiquei quase feliz (quantas coisas gratuitas

há neste mundozinho de horror?).

Mas o que desta manhã eu mais agradeço, Zulmira,

é a tua sopa, essa que tantas vezes

me salvou a vida, entre centenas de super bocks.



Não me inquietam os chulos, os assassinos

ou estes mendigos calados. Ilustríssima gente,

de uma má-raça inegável. Prefiro perder

com eles os meus dias, e falar da fome, dos joanetes

ou do preço do azeite. Não tenho tempo

para aprofundar desrazões, nem para conviver com puetas.



Sei apenas que as poucas pessoas que amei

estavam por detrás de um balcão

onde o álcool ardia, muito devagar.

Os meus pobres anjos.

Também por isso gostava de te obrigar a esta taberna,

exílio cantante de todas as minhas antigas manhãs.



Por esta mãe desolada, pelo rumor sombrio

do vinho que nunca azedou nos meus lábios,

por certas inábeis palavras que sobre os barris

faleceram e te pertenciam somente.



Mas «até logo, Zulmira», bem sabes que do amor

ou do futebol nada poderei jamais dizer

ou sentir. Entre os teus braços largos deponho

em silêncio aquela negra noite do meu mal.

Por uma sopa encorpada, sobre destroços

imperecíveis, bocados de morte partidos.






Por Manuel de Freitas

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