sábado, 10 de março de 2012








Era uma cigana, dessas que vendem destinos a troco de uma moeda. Verão seria, que me lembra o vestido branco de algodão que usei nesse dia. A cigana, longo cabelo, saia rodada, um xale de lantejoulas, mas verão seria, porque o vestido era branco. 
Eu desviei-me, assim como quem contorna um destino, mas adiante, a velha cigana salta-me ao caminho, agarra-me o braço e olha-me com olhos severos e maledicentes. Cada toque é uma violência, desejado ou não, mas ardendo sempre. Incomodou-me aquela mão estranha agarrando com força o meu braço nu, a pele que habito, a fronteira da minha intimidade. Desde pequena que tenho estranhos pudores. 
A força afrouxou, a mão dela desliza até à minha, troca o dorso pela palma e instintivamente os meus dedos abrem-se e dão-se-lhe. E com uma delicadeza que contradiz a rudeza da sua primeira abordagem, a velha pega na outra mão e expõe-na da mesma maneira. Duas mãos, porque há homens que nasceram com marcas de destinos vários, sete vidas os gatos, sete destinos o homem, mas só um nos é dado viver. Se acredito? Eu finjo. Porque é uma coisa bonita de se acreditar, o destino, a estrela de cinco pontas, a lua… 
Ela olha atentamente, cada prega um rabisco de uma vidência que eu não alcanço e de que suspeito. E vai falando baixinho, num linguarejo que não entendo. Vou imaginando o que me dirá, a felicidade costumada, sem saber que nem eu sei se é isso o que procuro. 
Estranho o que me disse. Cem lágrimas de distância. E enquanto vasculhava a carteira à procura do porta-moedas, volta-se e segue caminho, vendendo-me o destino a troco de nada.






Por Elisabete Albuquerque
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